O garoto da linda voz.

   Era um dia comum. Ao menos até então. Entrei no ônibus, passei desajeitadamente pela catraca e me dirigi para o fundo. Contudo, desenrolando os fones de ouvido com dificuldade enquanto o ônibus percorria por entre as avenidas, me deparei com uma cena.
   Haviam dois garotos conversando. Conversavam e riam muito, comentando sobre qualquer coisa que viam com um entusiasmo que me fazia querer participar daquela conversa, apesar de saber que teria dificuldade para interagir com eles.
   Um deles me chamou a atenção. Cabelos ligeiramente desarrumados e uniforme que era constituído por uma camiseta branca com o slogan vermelho da escola e bermudas na cor preta. Nada disso importava. Fora apenas um detalhe, um pequeno detalhe para mim. E, apesar de ser muito bonito, não fora a beleza que destacou-se nele, mas o modo como ele falava. O modo como ele sorria e o modo como seus olhos brilhavam sob o reflexo de tudo ao seu redor.


   Por vezes me deparava admirando-o. Admirando aquilo que muitas pessoas costumavam estranhar, e olhar com estranhamento. E, quando ele olhava para mim, eu disfarçava. Não queria que ele pensasse que eu estava tendo a mesma reação das outras pessoas ali presentes. Porque elas também o observavam constante e descaradamente.
   Com os fones de ouvido eu escutava a música e procurava subtender o que ele conversava com seu amigo. Eu procurava significado para as coisas que via, e tentava até assimilar com coisas que eu conhecia. Mas, mesmo sem entender, eu entendia. Eu entendia porque era incrível como o sorriso e o olhar daquele garoto transmitia tudo aquilo que ele dizia, sem precisar dizer.
   Seu amigo levantou-se para descer no próximo ponto, dando lugar a mim. Agradeci desajeitadamente e sem saber se ele entendeu bem o recado, e sentei. Aquela vontade de interagir com aquele garoto cresceu ainda mais, mas me contive pois seria constrangedor iniciar uma conversa e não saber continuá-la.
   Alguns minutos depois, ele levantou-se. Ainda tinha em seu semblante traços que faziam subtender que ele estava contente. Fiquei observando aquele garoto de dentro do ônibus, lembrando do que vi e ouvi, imaginando, enquanto ele descia e caminhava pela extensa avenida, como seria sua linda voz, se ele pudesse transmiti-la com a mesma emoção, com a qual gestualizava com as mãos.