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quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Mar de pipas.



   Subi a Rua das Laranjeiras apressada. O clima no trabalho estava péssimo porque faltavam dois dias apenas para o fechamento da revista. Eu era uma redatora muito preguiçosa e havia deixado para escrever minha coluna no domingo à noite, para aproveitar a praia no resto do fim de semana. Daí que o tema "Molecagens" apresentado na quarta, logo tão cheio de ideias nostálgicas, me era completamente vago e sem inspirações quando me sentei na escrivaninha e abri o editor de texto. Escrevi qualquer porcaria e fui dormir - na hora não parecia porcaria e me soou bastante interessante-. Não sei se você sabe, mas quando se escreve pra uma revista, na qual você é responsável por uma coluna de público geral, não deve escrever algo comum, mas algo que as pessoas leiam e reflitam sobre. Que realmente se sintam parte do texto, e não que as façam virar a página e pular para a seção do horóscopo.

   Meu chefe explodiu quando leu "Que droga é essa, Camilla?!" eu me espantei, porque até então não havia me dado conta do que havia escrito. Ele jogou os papeis sobre a mesa, e tentou não parecer extremamente aborrecido, pediu para que eu lesse tudo na sua frente. Li. E realmente, estava horrível. Não tive nem coragem de pedir à ele mais um dia, pois sabia que era minha obrigação escrever algo que prestasse até amanhã de manhã, algo que ele não demorasse nem trinta minutos para revisar e editar.

   Novamente, mais um dia estressante. No trabalho as coisas estavam corridas e eu não consegui escrever três linhas o dia inteiro. Ajudei uns colegas com algumas ideias e, enquanto eu dava mil e uma dicas para outros assuntos aleatórios, o meu ficava encostado na parede, debaixo de um relógio que parecia cada vez mais me apressar.

   Subi a rua cansada. O Sol estava escaldante, e eu precisava muito de um banho gelado para relaxar. Então reparei em uma porção de meninos com uma latinha vazia de farinha láctea, ou algo parecido, enrolada por um montão de linha, debaixo daquele Sol, pingando de suor, sem camisa e brigando um com o outro por espaço. Os carros que atravessavam a rua buzinavam, e os motoristas praguejavam os meninos por estarem tomando a passagem. Me sentei um instante na calçada, e fiquei a os observar. Corriam pra lá e pra cá, sempre com os olhos fixos no céu. Qual seria o entreternimento de ficar horas olhando um pedaço de papel voando pra lá e pra cá? Também olhei. E lá estavam umas dez, quinze, vinte pipas! E não vinham só da minha rua, mas de outras vizinhas também!

    De repente aquilo não era mais o céu, e os papéis deixaram de ser meros... Papéis. Vi um espaço repleto de pontos coloridos, nos quais todos brincavam um com outro, no qual nadavam e se comunicavam por gestos. Nos quais a infância era simples e divertida, como um soltar de pipas ou um brincar nas águas de um mar. E as cores comungavam com as nuvens, que pareciam ondas levando-as pra lá e pra cá, dando vida aos desenhos que se formavam. Como se fizessem um plano de fundo para o Sol e isso chamasse a atenção dos meninos. Eles corriam pra lá e para cá, em busca de uma posição para que uma pipa ficasse adjacente a outra. Era lindo! E aos poucos, as cores iam esfriando, juntamente com o céu que escurecia com a despedida do Sol. As pipas sumiam e aos poucos os meninos desconectavam-se daquele "sobremundo" e voltavam para suas casas. Quando percebi, já havia se passado uma hora e qualquer tipo de calor ou sensação térmica havia sido desfocada enquanto eu observava o céu. Levantei-me da calçada e entrei para a casa, maravilhada com as coisas que havia descoberto poucos minutos atrás. As coisas simples e magníficas da vida.


O céu azul, um montão de pontos coloridos, as nuvens são ondas e por mais estranho que pareça, vejo um mar de pipas.



"Mar de Pipas" SOUSA, Camilla. Revista 'O assunto', Ed. 156, 15 de Dezembro de 2012.

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